Divulgação informativa e cultural da Escola Secundária/3 Camilo Castelo Branco - Vila Real

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

ENTREVISTA COM A Dra. FERNANDA BOTELHO

“Se os jovens podiam viver sem filosofia? Sim, podiam. Mas não seria a mesma coisa! …”


A nossa entrevistada é nossa professora de Filosofia e Directora de Turma. A Dra. Fernanda Botelho formou-se na Universidade do Porto. Começou a leccionar aos 21 anos, tendo agora 15 anos de serviço. Escolhemos esta docente da Camilo por acharmos ser uma pessoa cuja experiência profissional pode interessar a alunos da nossa faixa etária.

Rafael e Vanessa - Nutriu desde sempre um interesse especial pela Filosofia ou despertou tardiamente para esta área do saber?
Fernanda Botelho
- O meu interesse pela filosofia nasceu da sabedoria popular, das histórias que a minha mãe me contava em criança e que me levavam a fazer perguntas. Claro que na altura desconhecia o que era a filosofia, pelo que esta é uma reflexão que só posso fazer a posteriori, mas terão sido essas histórias que me levaram a sentir curiosidade pelo saber.

RV - Houve alguém (ou algo) na sua vida que a tenha influenciado na opção pela docência e, em particular, pelo ensino de Filosofia?
FB - Já em criança gostava de brincar “às escolas”, facto que, confesso, não agradava muito aos meus amigos, que preferiam outro tipo de brincadeiras.
Como não é fácil decidir um caminho profissional, também tive as minhas indefinições. Cheguei a pensar em Direito, História, Relações Internacionais, mas o interesse pela filosofia, desenvolvido ao longo do Ensino Secundário, acabou por ser determinante. Ingressei por vocação no curso de Filosofia, mas não se tratou de uma escolha pacífica, pois sofri muitas pressões no sentido de alterar a minha decisão. O ataque de que a filosofia era alvo no plano institucional (na década de 90 chegou a falar-se da extinção da Filosofia do currículo do Ensino Secundário) fragilizava ou ameaçava o meu futuro profissional e fundamentava a opinião de amigos e familiares que contestaram, à época, a minha escolha profissional.

RV - Alguma vez pensou em leccionar outra disciplina que não fosse Filosofia? Se sim, qual?
FB - Sempre gostei muito de História, pelo que também me veria a leccionar esta disciplina. Mas a ausência de barreiras em Filosofia, o facto de não possuir um objecto de estudo bem delimitado, tal como acontece no campo das ciências, significa, a meu ver, uma mais-valia, que o professor de Filosofia deve saber aproveitar. Ainda que por vezes sejamos acusados de “falar de tudo, sem saber especificamente nada”, ou então se diga que “A filosofia é a disciplina com a qual, ou sem a qual, se fica tal e qual”.

RV - Sendo professora de Filosofia, considera que possui uma visão diferente do Mundo?
FB - Pelo menos tento… A postura de flexibilidade e abertura e a prática constante de uma atitude não dogmática deverão ser as linhas de força de qualquer projecto de vida.

RV - A nível profissional, como encara os problemas que se colocam na sua vida?
FB - Encaro os problemas como oportunidades de afirmação da liberdade pessoal e não como obstáculos intransponíveis.

RV - Já alguma vez pensou ter sido um erro ter optado pelo ensino? Se sim, porquê?
FB - Confesso que os últimos tempos não têm sido fáceis mas, apesar de tudo, considero ter feito a opção correcta.

RV - Participou em alguma das manifestações levadas a cabo pelos professores contra as políticas do governo anterior, no âmbito da Educação? Se sim, quais as razões que a moveram?
FB - Participei em duas manifestações de professores, uma de âmbito nacional e outra regional. Entendi, na altura, que os professores estavam a ser alvo da arrogância e prepotência do Ministério da Educação, incapaz de entender que é impossível efectuar quaisquer reformas sem o apoio dos professores.
Afirmações do género “Perdi os professores, mas ganhei os portugueses” suscitaram a minha indignação e conduziram-me a tais protestos.
No entanto, também considero que houve, por parte dos Sindicatos e Movimentos associados à contestação das políticas do governo anterior, erros estratégicos e excessos de linguagem, que em nada dignificaram a profissão docente. Por isso, afastei-me das contestações e decidi seguir o meu próprio caminho.
Ao fim de quatro anos de contestações e com a assinatura do acordo de entendimento entre Sindicatos e o actual Ministério da Educação, acentuou-se o meu niilismo em matéria de reivindicações sindicais…

RV - Neste momento o ensino não vive os seus melhores dias. Acha, mesmo assim, que os jovens que pretendem vir a enveredar pela docência devem continuar a alimentar o seu sonho? O que lhes aconselharia e porquê?
FB - Freud terá dito um dia que há três tarefas impossíveis: educar, governar e psicanalizar. Mas tal não o impediu de aplicar o método psicanalítico, conduzir a formação de psicanalistas e optar pelo governo inglês, em detrimento do governo da Alemanha nazi. Não quererendo enveredar por pessimismos educativos ou por pedagogias românticas, questiono: Não deverá um professor ficar contente quando um jovem adolescente afirma ter o sonho de ser professor? Por que razão, de imediato, o disssudimos de tal intento?

RV - Na sua opinião, em que medida a disciplina de Filosofia é importante para a formação dos jovens?
FB - A Filosofia tem vivido ameaçada pela possibilidade de desaparecer do currículo do Ensino Secundário, o que a meu ver seria um erro grosseiro. É evidente a existência de um certo mal-estar por parte de alguns sectores socioprofissionais, uma recusa, uma crítica e, frequentemente, uma avaliação preconceituosa da Filosofia e da Filosofia enquanto disciplina escolar.
Claro que a minha convicção é outra: a escola é o espaço privilegiado para a concretização de uma filosofia enraizada, para a concretização do papel vigilante e actuante da Filosofia na sociedade. Neste sentido, os conteúdos filosóficos a ensinar não devem constituir um fim em si mesmo, mas devem estar direccionados para algo mais, para um impacto vital na formação dos alunos.
Se os jovens podiam viver sem filosofia? Sim, podiam. Mas não seria a mesma coisa! …

RV - Acha que a Filosofia deveria ser abordada desde o 7º ano, não de uma maneira tão específica como no 10º ano, mas de uma maneira mais geral ou talvez como disciplina opcional?
FB - Defendo que a Filosofia pode e deve ser desenvolvida desde muito cedo, logo no ensino pré-escolar, com comprovadas vantagens em termos de autonomia de pensamento e sentido crítico. Matthew Lipman deu início, na década de 70 do século XX, ao Movimento da Filosofia para crianças, que inspirou muitos professores, que levaram a cabo projectos destinados a desenvolver as competências básicas de raciocínio.

RV - Há quatro anos que lecciona nesta escola. Na sua opinião, quais são os aspectos positivos e negativos deste estabelecimento de ensino em relação às condições de que dispõe para trabalhar?
FB - Quanto aos aspectos positivos selecciono aquilo a que chamo uma “cultura de escola” assente no valor essencial da entreajuda e para a qual procuro activamente contribuir.
Em termos de aspectos negativos, saliento a necessidade urgente de obras, quer no edifício principal, quer nos “provisórios, mas mais do que definitivos” anexos. A falta de salas é também um problema, que urge superar para que seja possível concretizar projectos extracuriculares, como Clubes.

Rafael Silva, nº24
Vanessa Guerra, nº27, do 10ºB
Fotografia: Rafael e Vanessa

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