Divulgação informativa e cultural da Escola Secundária/3 Camilo Castelo Branco - Vila Real

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Entrevista a uma aluna universitária de Enfermagem


Na disciplina de Português, foi proposto aos alunos do 10º I realizarem uma entrevista. Optámos por entrevistar Ana Isabel Monteiro Faceira Rua, que está a frequentar o 4º ano do Curso de Licenciatura em Enfermagem, na Escola Superior de Enfermagem de Vila Real.
A entrevista tem como objectivo dar a conhecer um pouco da vivência no Ensino Superior e as mudanças do Ensino Secundário para o Ensino Superior.


M&C: Em que medida os seus pais, familiares e/ou amigos condicionaram a escolha do Curso que está a frequentar?
A.R.: Tive um bom apoio familiar, quando disse que ia seguir o Ensino Superior. Sempre foi desejo dos meus pais que eu fosse para o Ensino Superior. Nunca disse o que é que gostaria de seguir, porque não sabia muito bem, era uma grande responsabilidade… Mas, quando chegou a altura, e eu disse que gostava de ir para Enfermagem, ficaram todos contentes como é óbvio, não é? É um excelente Curso. Alguns colegas/amigos ainda disseram “Atenção que está cheio…”, e essas coisas todas, mas ninguém me impediu. Tenho dois tios, enfermeiros, de quem me sinto muito próxima, são como uns segundos pais, com quem convivia bastante, e o seu trabalho sempre me cativou um bocadinho, digamos assim. Sempre olhei para aquilo com certo carinho. Depois, quando chegou o 12º ano e tive de escolher um curso, escolhi Enfermagem.

M&C: Sabendo que, à entrada do Ensino Superior, os alunos têm de enfrentar múltiplos obstáculos, nunca pôs em causa a decisão de seguir um Curso Superior?
A.R.: O Ensino Superior é um obstáculo por várias razões. Nó temos de ter casa, temos de ter sítio, não é? … Há Cursos que não existem na nossa cidade e há as propinas que serão sempre um grande senão, porque não são baratas. Depois também temos as exigências do Curso em si. São três factores que, se nos deixarmos afectar por eles, nos podem impedir de fazer seja o que for. Temos é que saber trabalhá-los. Por exemplo, ninguém chega ao 12º ano e se lembra de dizer de repente “Ah!!, afinal vou para o Ensino Superior!” É uma coisa que tem de ser pensada. Depois vamos vendo as opções e trabalhando de forma a podermos estar preparados para isso. Só é um obstáculo se nós deixarmos que seja. Se estivermos realmente motivados, não é.

M&C: O Ensino Secundário é já um nível de ensino exigente. Sabendo isto, não teve receio em relação às exigências que o Ensino Superior lhe viria a colocar?
A.R.: O Ensino Secundário é exigente, quando chegamos lá (risos). Aí, achamos que o Ensino Básico até era fácil… Chegamos ao Ensino Secundário e dizemos: “Ai, meu deus, o Ensino Secundário é tão difícil!”. Mas depois chegamos ao Ensino Superior e “Ai, meu deus, o Ensino Secundário era tão fácil!”. Quando frequentava o Secundário, sabia que o Ensino Superior ia ser mais exigente. Ninguém no Secundário nos vai dizer que o degrau seguinte é fácil, muito pelo contrário, os professores dizem que se o Ensino Secundário é difícil, então o Ensino Superior mais difícil é, ou melhor, mais exigente é. Apesar de tudo, não tive medo, porque era aquilo que eu queria. Sabia que não ia ser fácil, mas também sabia que não ia ter dificuldades, tive foi de ter um ritmo diferente… Se um aluno, no Secundário, tiver um ritmo de estudo regular, quando chegar ao Ensino Superior tem apenas de aumentar esse ritmo. O segredo é não pensarmos que o Ensino Superior é um quebra-cabeças. Se soubermos isto e já levarmos um ritmo de trabalho do Secundário, é só mantê-lo e reforçá-lo. Quem se esteve sempre a baldar no Secundário e, mesmo assim, conseguiu entrar numa Universidade, dificilmente irá adquirir ritmo de trabalho. O Ensino Superior é uma coisa que fazemos por nós mesmos, porque queremos, por isso a responsabilidade é nossa. Tudo o que fazemos é por opção pessoal, daí a responsabilidade que temos que assumir. Por isso é exigente, é, mas não é nenhum bicho, nem nenhum monstro.

M&C: Que diferenças encontrou entre os dois níveis de ensino – o Secundário e o Superior?
A.R.: Como respondi na pergunta anterior, o Secundário é mais fácil. Para aquela disciplina, temos aqueles livros e é a única coisa que precisamos de estudar. No Ensino Superior já não é bem assim. As aulas são diferentes (na forma como são dadas), os horários são diferentes: no Secundário, estava habituada a um horário fixo durante todo o ano lectivo. Agora, não: há semanas em que tenho bastantes aulas e outras em que consigo ter uns furos, digamos assim. A exigência é diferente, é mais… é um nível superior… O ensino é muito mais especializado e virado para uma área específica. À partida, sabemos que o Ensino Superior vai ser diferente e mais exigente. Mas se queremos atingir os nossos objectivos, não podemos desanimar logo à primeira, não é? Normalmente, o primeiro ano nunca é fácil, porque é uma grande mudança, mas uma pessoa habitua-se e acaba por conseguir lidar com essas diferenças todas.

M&C: E quanto aos métodos de ensino? São distintos dos métodos utilizados no Secundário? Se sim, quais prefere?
A.R.: Não há um que eu prefira, porque são diferentes. No Ensino Superior, temos as aulas que os professores nos dão, com uso de PowerPoint ou textos, e a bibliografia facultada; depois, orientados pela bibliografia, vamos pesquisar o que queremos. Sobretudo agora, com Bolonha, os professores dão-nos a base e nós temos de ir procurar o resto. Há um grande trabalho por parte do aluno. Essa parte é particularmente diferente.

M&C: Como são as relações entre professores e alunos?
A.R.: As relações são boas. Os professores disponibilizam-se para nos ajudar, mas o Bolonha veio exigir de nós uma grande autonomia e sentido de responsabilidade. De vez em quando, temos de nos dirigir aos professores para tirar dúvidas. Até agora, nunca tive um professor que se recusasse a responder a uma pergunta. Claro que eles não nos vão dizer onde está a solução, apenas nos ajudam a chegar lá. Um dia, mais tarde, quando estiver no meu trabalho, não vou poder pegar no telefone para perguntar “Professor, olhe, estou com uma dúvida, o que vou fazer?”. No Ensino Superior, os professores dão-nos as bases, nós temos que fazer o resto.

M&C: Em que mediada a relação entre colegas constitui um factor favorável no processo de aprendizagem?
A.R.: Se tivermos amigos, eles vão puxar por nós, não é? Um amigo que nos passe a mão pelas costas e nos diga “Pronto, não te preocupes”, não é um amigo. Amigo é aquele que nos avisa “Olha que estás a fazer asneira…”. Claro que ter amigos melhora as coisas, mas não são os amigos que vão fazer o trabalho por nós, temos que ser nós a fazê-lo. As relações… criamos amigos para toda a vida. Aquilo que se diz na Universidade é verdade: aqui, nós fazemos amigos para toda a vida, especialmente no período de estágio, que é quando nos apercebemos melhor disso. Os amigos são uma grande ajuda, mas o trabalho tem de ser essencialmente nosso.

M&C: Em que consiste a vertente prática do seu Curso?
A.R.: A vertente prática é realizada em contexto de ensino clínico, ou seja, no estágio, onde o intenso ensino clínico vai corresponder às temáticas que foram leccionadas nas unidades curriculares. Não é a matéria que eu aprendi nas aulas que vai ser trabalhada no final de cada ano no hospital ou num Centro de Saúde…

M&C: Como lida diariamente com o sofrimento dos doentes?
A.R.: Esta pergunta não é propriamente fácil (risos). Como é que se lida com o sofrimento de alguém? Tentamos fazer o melhor para aliviar esse sofrimento e às vezes basta estar disponível para ouvir o doente, porque aquilo de que muitos precisam é de alguém que os ouça, que esteja um bocadinho, cinco, dez minutinhos, a falar com eles, a ouvi-los. Há pessoas com dores, que estão em fase terminal… nunca é fácil… Mas o facto de terem alguém que lhes dê um pouco de atenção durante cinco minutos, pode significar tudo para uma pessoa doente. Claro que não podemos ir para casa a pensar no senhor x que está como está, ou na senhora y. Embora não seja fácil, nós também temos que criar defesas e saber separar as coisas.

M&C: Quando contactou pela primeira vez com um doente, qual foi a sua reacção?
A.R.: A primeira vez que me atribuíram um doente estava nervosa e ao mesmo tempo ansiosa. Acho que é normal, porque se trata de uma pessoa de quem vamos cuidar. Nesse dia temos verdadeiramente a noção da responsabilidade que é fazer uma assistência. Além disso, queremos fazer o melhor, queremos dar sempre o melhor, não é? Queremos que esse doente, e todos os outros doentes que vamos ter dali para a frente, tenham sempre o melhor que lhes podemos dar enquanto profissionais de saúde.

M&C: Recorda-se de algum doente, ou situação, que a tenha marcado particularmente? Porquê?
A.R.: Assim, de repente, não me recordo de nenhuma situação em particular, porque são tantas pessoas…mas lembro-me de uma senhora, no meu primeiro ano: quando eu e os meus colegas nos fomos embora (estávamos a estagiar) a senhora virou-se para nós, a chorar, e disse “Obrigada pela vossa atenção. Obrigada pelo carinho”. Como já tive oportunidade de referir, o que as pessoas querem, muitas vezes, é um pouco de carinho, alguém que esteja um bocadinho com elas, não é? As pessoas não têm que nos agradecer, nós estamos lá para trabalhar, mas o facto de fazerem isso, às vezes melhora o nosso dia em muitos aspectos. Quando conseguimos arrancar um sorriso de alguém que está a sofrer, a nossa auto-estima melhora, porque um sorriso não se dá de qualquer forma, sobretudo por parte de alguém que sofre.

M&C: O facto de lidar com pessoas doentes faz com que tenha uma visão diferente do mundo?
A.R.: Não, em particular. Acho que qualquer pessoa que esteja frente a frente com alguém que esteja doente fica diferente. Não começa a ver flores nem um mar de rosas em todo o lado, mas tem a noção de que, se calhar, precisa de reavaliar as coisas a que dá importância. Se vivêssemos um pouco mais o dia de hoje, em vez de estarmos constantemente a pensar no amanhã, a nossa existência seria um bocadinho melhor. Todos os dias vemos nos telejornais imagens de pessoas que sofrem, mas ver as pessoas a sofrer mesmo à nossa frente é diferente, toca-nos de tal forma que nunca mais esquecemos. Aconteça o que acontecer, vamos sempre lembrar-nos disso.

M&C: Em que medida o Curso que está a frequentar está, ou não, a corresponder às suas expectativas.
A.R.: Agora que estou no 4º ano, na fase final do meu Curso, posso dizer que está a corresponder àquilo de que eu estava à espera. Se calhar foi um bocadinho mais exigente do que esperava, exige muito de nós a vários níveis, mas sinto que as coisas correram bem e que o Curso nos prepara para o que nos vai acontecer lá fora, no mundo do trabalho. Há experiências que, claro, são independentes do Curso em si. Passámos por ensinos clínicos para que ninguém nos prepara mas, no geral, acho que o Curso nos dá as bases necessárias para podermos ser bons profissionais.

M&C: Em termos profissionais, quais são as suas expectativas?
A.R.: Uma pergunta complicada. Toda a gente sabe que a Enfermagem não está nos seus melhores dias (a comunicação social tem falado disso e recentemente houve mais uma greve). Parece haver enfermeiros a mais, os hospitais estão cheios... Quais as minhas expectativas profissionais? Não penso ficar em Vila Real, porque quero trabalhar e não vou ficar à espera de uma vaga para poder ficar em casa. O que não quero é ficar desempregada. Se arranjar trabalho por cá, óptimo, se não, paciência. Portugal é grande e o Mundo lá fora ainda maior. Vou começar a pensar seriamente em ir para fora, porque, já que tenho de sair, então que saia mesmo. Mas só quando tiver os papéis na mão a dizer que sou licenciada em Enfermagem e estiver em condições de me puder candidatar aos hospitais, Centros de Saúde e outras instituições é que realmente vou tomar uma decisão.

M&C: Obrigado pela sua colaboração e pelo tempo dispensado para a entrevista.

Cláudia Sofia Cigre Fernandes, nº 8, 10º I
Mónica Isabel Teixeira da Fonseca, nº 17, 10º I

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