Divulgação informativa e cultural da Escola Secundária/3 Camilo Castelo Branco - Vila Real

domingo, 31 de outubro de 2010

Do País que resiste

O estado de emergência orçamental, económico-financeiro em que vivemos, pareceu dispensar, ao longo dos últimos meses, há mais de um ano mesmo, o debate (aprofundado) sobre outros temas que não o das contas públicas. Como se, submersos na aflição económico-financeira, fosse um luxo pensar nos problemas e soluções para a saúde, educação, justiça, trabalho, ciência e tecnologia ou defesa nacional. Estamos sem governo há muito, e reagimos como se tal fosse natural dada a excepcionalidade das circunstâncias. Mas o vício de raciocínio é evidente: sem melhorias na nossa qualificação, sem reformas na justiça, sem concertação social no mundo laboral, o país manterá problemas de crescimento económico e o debate acerca das nossas contas perpetuar-se-á. Luxo, pois, é passarmos semanas a fio sem pensarmos na próxima década e no que ela nos exigirá de transformações das nossas políticas. Esta semana, para ficarmos pelo sector da Educação, aflorou-se o problema da manutenção – e respectivos termos – da disciplina de estudo acompanhado. O que esta pequenina árvore de discussão esconde – e uma árvore apenas evocada pela tal emergência financeira em que estamos, sem qualquer visão de conjunto – é a floresta que a contextualiza: fará sentido, no 3º ciclo do ensino básico, existirem 27 horas lectivas, distribuídas por 15 ou 16 componentes diferentes, a que correspondem outros tantos docentes? Quem será beneficiado com esta profusão de cadeiras e professores? Fará sentido, no meio de tanta aula e de tanto professor, as horas dedicadas ao ensino da leitura, escrita, literatura e matemática ficarem muito aquém do nível médio praticado nos países da OCDE? Mas mais importante: qual a causa de termos chegado aqui, a um número louco de disciplinas, que parece propício ao insucesso dos alunos? Em Difícil é educá-los, um recentíssimo ensaio de David Justino, ex-ministro da educação, publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, a resposta a esta questão aponta para um caldo de cultura assente numa lógica de grande consistência por parte dos intérpretes sindicais – os mesmos há muitos anos, com suporte social, o que noutros sectores vai rareando, e conhecedores profundos do mundo educativo – conjugado com uma grande fragilidade do poder político – uma infindável quantidade de ministros da educação desde 1974, impedindo uma lógica coerente e prolongada de reformas e mesmo um conhecimento muito aprofundado dos temas. Sobre este ponto, uma nota adicional, não despicienda: a pouca preparação, a falta de uma assessoria muito bem preparada que os políticos, nomeadamente na AR, têm, em matéria educativa e que os leva a não se documentarem suficientemente e a não decidirem com todos os dados essenciais (cabe a nota para a rede e novos intérpretes gerados na última grande luta dos docentes e que importa não perder para diálogo futuro; rede que a novas tecnologias potenciaram). Culpa do modelo que leva, muitas vezes, jotas imberbes, acabadinhos de licenciar, para o Parlamento, cuja assessoria está longe de representar qualquer ganho substantivo para o deputado ou deputados que do seu trabalho beneficiam e, logo, para a nação que representam.
Principais problemas detectados, e que aqui convém recensear, quanto ao nosso sistema de ensino, identificados a partir dos testes nacionais e internacionais aplicados aos nossos alunos: se “os resultados nos saberes que exigem menor elaboração cognitiva, onde o aluno se limita a reproduzir conhecimentos, a aplicar procedimentos de carácter rotineiro e a recorrer a raciocínios simples” poderão ser satisfatórios, já a capacidade relativamente a raciocínios mais complexos e perante situações inusuais é clara. Ou seja, não é tanto um problema de aquisição de conhecimentos quanto o de pensar os problemas. Para David Justino, há também um problema na transição de ciclos, na descontinuidade de ambientes, pelo que propõe a extensão do primeiro ciclo até ao sexto ano, como sucede em outros países, até pela questão da maturidade psicológica, bem como a ideia de prolongamento do aluno durante mais anos no mesmo espaço físico. Defensor da avaliação, demonstra como a introdução de exames não contribuiu para qualquer insucesso educativo – como aumento das reprovações, antes o inverso sucedeu.
Relativamente à questão da economia do ensino, Justino diz-nos que temos o ensino pré-primário mais caro de entre um conjunto lato de países; o Secundário tem, igualmente, um custo elevado. Mas, no seu entender, a questão não passa propriamente por diminuir os recursos afectos à Educação; antes, com este nível de recursos, conseguir que sejam mais os que dele beneficiam, o que implica um sério esforço para impedir tanto o insucesso quanto o abandono escolares. Nesse sentido, e também rumo a uma maior equidade social potenciada pelo ensino, este deve aumentar a sua exigência e as expectativas face ao aluno, puxando-o para cima e não o inverso como, no entender de muitos, tem sucedido. Quanto à questão dos custos com o ensino, sempre poderíamos dizer com Carrilho, a partir do seu último livro, que se, em alguns casos, gastamos mais em educação do que outros países, tal não deve ser visto em abstracto, esquecendo o ponto de partida dos países em comparação, negligenciando o nosso atraso relativamente a estes (e basta ver as taxas de alfabetização e nível de escolaridade com que partimos na corrida nos últimos 30 anos, para só nos referirmos a estes). Dito isto, Justino afasta e envergonha-se de frases de café como “no meu tempo é que era bom”, ou “agora nem sabem ler e escrever, nem fazer contas”, por dois motivos: um, porque as gerações mais jovens tendem, no seu global, a terem muito maior escolaridade e qualificação que as anteriores; dois, porque se a actual instrução é, ainda assim, deficitária, essa responsabilidade deve ser acometida à geração que tantas vezes produz tais críticas mais ou menos apocalípticas. Para o futuro, a ideia de que nenhuma melhoria tecnológica poderá dispensar o background cultural: não é da tecnologia que se vai à educação; é da educação que se chega à tecnologia. Demoramos, em média, quinze anos para formar os cidadãos do futuro e, manifestamente, não estamos a pensar em 2025 e em 2040 e a confrontar projectos não apenas de como o mundo vai ser, mas como gostaríamos de conformá-lo. Uma grande diversidade formativa cultural, a par de conhecimentos sólidos nas ciências, o tempo do silêncio e da reflexão como urgência face ao problema do excesso de mediatismo que pesa sobre a educação, além da disciplina, do treino, do trabalho e rigor, ingredientes indispensáveis quando estamos em um mundo em constante devir, incerto, e no qual a exposição à inovação é permanente.


Pedro Seixas Miranda

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